Como disse no post anterior, Berlin é uma aula de história a céu aberto. Eu estudei a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria no colégio, mas somente aqui entendi os detalhes e a dimensão das duas.
Você não vê apenas prédios e lugares históricos, mas o governo e o povo alemão fizeram um excelente trabalho de preservação dessa história, tornando Berlin literalmente um museu a céu aberto. Você anda pela cidade dessa história e vê monumentos, fotos e textos explicativos contando todos os fatos que aconteceram:
Partes do muro podem ser encontradas por diversos pontos de Berlin. São partes inteiras, com desenhos e pixações feitas após a queda. Num primeiro momento, enxerguei aquilo quase como um souvenier de turista, para você tirar foto ao lado e mostrar para os amigos. Depois você se depara com partes maiores, algumas fotos originais da época em que aquilo cortava a cidade em duas e vai entendendo a dimensão do que foi o muro e o que representou na vida de um povo.
O percurso do muro está sendo refeito como um caminho marcado por pedras. As pedras são colocadas no mesmo relevo do solo, com uma placa onde se lê “Muro de Berlin”, ou melhor “Berlin Mauer”.
Checkpoint Charlie e região: mantido uma grande parte do muro original, e com uma sequëncia muito grande de painéis com fotos e textos explicando quando e porque foi tomada a decisão de construir o muro, a vida das pessoas durante o tempo em que o muro existiu e a sua queda queda.
Não vou conseguir falar de Berlin sem ao menos tentar recontar essa aula de história que tive.
Berlin tem vários pontos turísticos, museus extraordinários e lugares bonitos, que vou descrever no próximo post, mas antes de tudo isso é uma cidade profundamente marcada pelos acontecimentos da II Guerra Mundial e mais ainda pelos acontecimentos do pós guerra, o período da Guerra Fria. E é sobre esse período que quero falar um pouco.
1945
Berlin é derrotada em 2 de maio de 1945, seis dias antes do fim da Segunda Guerra Mundial. A maior parte da cidade está em ruínas, e 2,8 milhões da população original ainda vive na cidade.
Os países aliados - Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e União Soviética – assinam um acordo (Acordo de Potsdam) dividindo a Alemanha em quatro setores, cada um ocupado por um membro da aliança.
A capital, Berlin, que se encontra totalmente dentro do setor soviético, também é dividida em outras quatro partes.
|
Wikipedia |
|
Wikipedia |
1946-49 A União Soviética e os demais países aliados começam a se desentender sobre os planos de reconstrução para a Alemanha. Os conflitos aumentam que os países decidem segmentar a administração da Alemanha.
O setor ocidental é incluído no Plano Marshall de reconstrução da Europa, enquanto o setor oriental fica de fora, inteiramente sob a responsabilidade da União Soviética.
Berlin segue a mesma diretriz.
1948
A União Soviética impõe o Bloqueio de Berlin, impedindo o acesso total à Berlin Ocidental aos países do bloco ocidental, isolando a cidade.
A União Soviética espera que o isolamento de Berlin Ocidental e a conseqüente impossiblidade de envio de provisões de alimentos, remédios e materiais enfraqueça o interesse do ocidente pela cidade. Berlin Ocidental se tornaria parte do domínio da União Soviética, primeiro passo para a conquinta de toda a Alemanha.
Os países aliados, no entanto, organizam uma operação aérea de envio de suplementos, com o uso de aviões militares. É uma operação extremamente cara, mas Berlin ocidental se torna questão de honra, principalmente para os Estados Unidos, para deter o avanço do comunismo na Europa.
1949
O bloqueio por terra à Berlin Ocidental termina, mas as viagens de alemães orientais para o lado ocidental só é permitida com autorização especial.
É fundada a República Federal da Alemanha – RFA – na parte ocidental da Alemanha, e Bonn é nomeada a capital do novo estado.
A República Democrática da Alemanha – RDA – é fundada no lado oriental da Alemanha, e Berlin Oriental é nomeada sua capital.
1953
Desde o fim da guerra, houve um fluxo de alemães do lado oriental para o ocidental, mas com medo do aumento das restrições e controles impostos pela União Soviética, esse fluxo dobra em 1953.
O exército soviético usa força e muita violência conter manifestações que começaram a nascer em vários pontos da Alemanha.
|
Wikipedia |
1961 Apenas em julho, 30.415 residentes da RDA deixam o país para Berlin Ocidental, o maior número em um mês desde 1953.
A construção do muro estava sendo discutida pelos líderes da RDA, mas negada em públido. Poucas semanas do início da sua construção, Walter Ulbricht, líder da RDA na época, respondeu em uma entrevista a um jornalista ocidental:
“Ninguém tem a intenção de construir um muro!”
Alguns dias depois, começou a construção do muro.
|
Wikipedia |
Os Estados Unidos enviaram forças armadas adicionais para preservar a liberdade em Berlin Ocidental.
Em outubro, houve um tenso confronto entre as tropas dos Estados Unidos e da União Soviéticas no Checkpoint Charlie, na rua Friedrich. Ambos os lados usaram tanques de guerra como demonstração do seu poder militar. Com receio de que o confronto pudesse dar início a uma guerra nuclear, os dois lados se retiraram sem nenhum disparo.
Havia alguns pontos de passagens controlados, mas o Checkpoint Charlie era o mais importante por ser a porta de entrada de autoridades e visitantes estrangeiros. A passagem do ocidente para o oriente era livre, mas o oposto só acontecia mediante a apresentação de documentos ou autorizações especiais.
Toda a fronteira era extremamente vigiada, mas isso não impediu inúmeras tentativas de fuga. Algumas bem sucedidas, outras resultaram em prisões ou mesmo assassinato dos fugitivos.
|
Wikipedia |
1989 A partir dos movimentos de reforma que aconteceram na União Soviética (glasnost” e “perestroika”), a população da Alemanha e a imprensa mundial pressionam o governo da RDA por reformas também em Berlin.
Em 4 de novembro, mais de 500.000 cidadãos de Berlin Oriental se juntam na Alexanderplatz, protestando contra o governo da RDA e suas muitas exigências e controles.
Os líderes da RDA fazem um pronunciamento em rádio, dizendo que vão liberar as viagens para Berlin Ocidental.
Apesar de não ter sido um pronunciamento claro nem com datas, algumas pessoas interpretam a declaração como o fim do muro e saem às ruas. Logo centenas de pessoas participam da comemoração e se encaminham para o muro para destruí-lo.
|
Wikipedia |
|
Wikipedia |
Os guardas, que também ouviram o pronunciamento, não fazem nada para conter os manifestantes.
Até hoje, há dúvida se essa era realmente a intenção dos líderes soviéticos, ou se foi um mal entendido que tomou um proporção e participação da população, que não se conseguiu mais corrigí-lo.
|
Wikipedia |
Visão de um alemão de Berlin Ocidental
Fizemos amizade com um funcionário do hotel que tinha 18 anos quando o muro caiu.
Como ele nasceu e viveu no lado ocidental, contou sua visão sobre a queda do muro.
Ele disse que a ida para Berlin Oriental realmente era livre para os habitantes do ocidente, mas que em geral as pessoas só iam se precisavam visitar algum parente. Apesar do livre acesso, eles se sentiam monitorados pelos soldados e não se sentiam a vontade para conversar com as pessoas nas ruas.
Quando perguntamos como foi quando caiu o muro, ele nos respondeu que foi assustador.
Contou que Berlin ocidental foi invadida por milhares de pessoas, e que a cidade não tinha estrutura para tanta gente. Muitos que cruzaram a fronteira não queriam voltar para suas casas, por medo de ficar presos novamente.
Além disso, houve falta de todos os itens de consumo, pois ninguém estava preparado para um aumento tão repentino e tão grande da demanda. Nos contou que sempre comprava banana para sua mãe, pois era a fruta que ela mais gostava, mas que ficou meses sem conseguir encontrar nenhuma.
Inglês fluente e fazendo muitas observações inteligentes, contou que Berlin ainda não se tornou uma cidade única. O lado ocidental, por exemplo, aprendia inglês na escola, enquanto o lado oriental aprendia russo, então é mais difícil para os alemães orientais conseguirem empregos em multinacionais. Tem um pouco de preconceito dos dois lados, e que normalmente é possível saber quem nasceu no lado oriental e quem nasceu no ocidental, porque as pessoas falam de maneira diferente, não no sotaque, mas no tipo de palavra usada.
Muito muito interessante ouvir o ponto de vista de um cidadão local.